quarta-feira, 16 de julho de 2008

Havana Club


Aceitaram o rum de pronto. Viria gelado, de um refrigerador russo (provavelmente vermelho). E para alcançar a geladeira, antecederiam escadas ornamentais de degraus largos mal cuidados, mas ainda assim, charmosos, como é tudo que conta uma boa história.

Destoando do clichê, o refrigerador não era vermelho. Mas a bebida veio como se ansiava: forte, amarelada, fresca. As paredes, sem muito merecer, tinham quadros abstratos de um pintor amigo. Era jornalista o nosso anfitrião e tinha livros por todos os lados. Os que lhe inspiravam poesia e os que lhe instigavam a questionar a (r)evolução do pequeno pedaço de terra controverso do qual era orgulhoso habitante. No canto da sala, um computador em uma espécie de escritório improvisado e na tela, um desenho da nora, estudante dedicada de desenho industrial.

No caminho, antes do convite para o rum, era possível ver a ilha na penumbra. Caminhavam embalados por suculentas discussões políticas - exatamente o que vieram buscar. A curiosidade espantava o medo bobo que terra estranha dá. Eram os primeiros passos pela Havana suja e descuidada, mas dona satisfeita de um colorido descascado. Capital negra e suada, de uma infinidade de informações quase improcessáveis.

Para o par de cabeças estrangeiras, a estrutura do edifício era a alma da velha Cuba que se propuseram a conhecer. A degradação, a ferrugem nos detalhes nobres da arquitetura confiscada... Tudo construía uma réplica da macrorealidade da Ilha, seu grande paradoxo: ruínas recheadas de robustos valores. Um brilho tímido em meio aos eternos problemas de uma manutenção já quase desnecessária de tão tardia.

sábado, 5 de julho de 2008

Entre Virtudes y Concórdia


Os produtos de limpeza despejados aos litros pela casa tomam conta do ar como se fosse proibido outro aroma qualquer. O varão da casa levanta cedo, faz suco de frutas e alimenta com uma ternura laica a mulher de bobs e salto nos pés. Ela: a coisa que ele mais protege sem cobrar uma palavra sequer.
As janelas têm suspensas cortinas de renda que não são um empecilho para os mosquitos, mas proíbem duas realidades distintas de se tocarem.
O incenso na sala alimenta as narinas de San Lázaro - o santo, o anfitrião e a larga avenida paralela ao Malecón. No mesmo canto, num pratinho de oferendas, descansam moedas, frutas e contas; coisas que o gato da casa não toca, por respeito ou desatenção.
Ar-condicionado contraditório nos quartos. Chuveiro de caninho, fio de uma água perene aquecida por querosene. Muita carne, muita fruta-bomba e frijoles negros para os convidados.
Esmalte, vermelho sempre. E salsa para a dama, aos sábados.
O celular da filha mais velha, que esbanja amores, toca sempre. Um alarme pontual a chamá-la para casa. O telefone sem fio está constantemente ao lado do computador da caçula, que se diverte despreocupada.
O ouro pendurado nas orelhas ou pescoço da dama não é raro, mas já foi arrancado com o ódio de qualquer faminto, várias vezes.
Pela janela do último quarto, à esquerda de quem sobe a escada estreita, se espreita uma escola de pequenos revolucionários. Niños que ainda desconhecem as disparidades do perímetro latino, talvez os únicos a acreditar - por tempo limitado - que são todos iguais.